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Página:A Esperanca vol. 2 (1866).pdf/194

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A esperança

 

A meia encosta da serra, eleva-se a elegante igreja de parochia, e a um dos lados, vê-se um cemiteriosinho gracioso e simples, simples como é tudo nas aldeias. Mas esta leva de vantagem a umitas, o ter um extenso e frondoso bosque de gigantescos sobreiros e carvalhos, escurecido aqui, e além, pelo verde negro de copados medronheiros.

Este bosque estende-se desde a povoação até um rio que se precipita em impetuosa corrente d'umas rochas dentadas e negras.

Perto d'esta queda d'agua, e a um kilometro da aldeia do Nogueiral, eleva-se uma casa de bonita apparencia, mas que escondida assim entre corpulentas arvores, e embalada pelo rugir impetuoso da corrente, nos faz lembrar mysteriosos crimes!...

As suas paredes são alvissimas, mas não obstante, o povo denomina-a — A Casa Negra — e contam d'ella coisas horrorosas!

Um veneravel velho, e uma encantadora menina a tinham habitado. Era pai e filha; mas havia dois annos que essa joven, esquecendo o decrepito pregenitor, fugiu da casa paterna com um homem que lhe segredou aos ouvidos innocentes palavras de tentação; e o triste velho succumbiu ao peso da vergonha e da saudade! E a filha não veio chorar sobre a humilde campa do pai que ella assassinou! Ninguem mais ouviu fallar n'ella na aldeia do Nogueiral.

Um anno esteve a casa deshabitada, mas alguns camponezes, que recolhiam mais tarde para os seus casaes, e que passavam perto da Casa Negra vinham contar, tranzidos de medo, que tinham ouvido gritos sahidos da casa deserta.

Passado um anno, viram chegar á aldeia o raptor de Deolinda, a filha ingrata; mas em vez da desgraçada, acompanhava-o outro homem de rosto sinistro e repugnante.

Algumas raparigas da aldeia, ousaram perguntar por Deolinda, e o infame raptor, respondeu que a tinha desposado, e que vivia no Porto, no seio da abundancia e da felicidade.

Tomou o caminho da Casa Negra, que, dizia elle, vinha arrendar áquelle seu amigo que o acompanhava, e que alli se vinha estabelecer.

Depois de instalar na Casa Negra o seu novo habitante, deixou a aldeia do Nogueiral, levando mil presentinhos e lembranças que as raparigas mandava á sua companheira nos folguedos infantis.

O viver do novo habitante da casa negra era um viver cheio de mysterios, e principiou a despertar suspeitas nos animos rudes e singels dos aldeãos do Nogueiral.

Quem era esse homem? D'onde vinha? Para que fim veio habitar uma casa ha tanto tempo dezerta de gente viva, e só, no dizer do povo, povoada de espectros?

Eram as perguntas que entre si faziam os pacificos habitantes do Nogueiral.

Alguns mais curiosos, chegaram a examinar que na casa negra não se accendia o lume em todo o dia, e só ás horas d'alto silencio da noite, se viam sahir nuvens de espesso fumo, e ao mesmo tempo ouvia-se dentro da casa muito barulho, e rostos sinistros apparecerem pelas janellas!

O que fazia alli esse homem? para que arrendou elle essa casa, se os terrenos que a circundavam continam incultos?

Assim passaram oito mezes; os moradores da aldeia fazendo os seus commentarios, bem pouco lisongeiros ao mysterioso habitante da casa negra, e este sem se importar com elles, nem com a curiosidade que o seu viver excitava, proseguia no seu mysterioso existir. Poucas, bem poucas vezes, sahia de casa, e quando o fazia era para comprar provisões.

As velhas do Nogueiral diziam umas ás outras que aquelle homem tinha pacto com o demonio, e que tinha vindo presidir ás reuniões que os espritos faziam n'aquella casa amaldiçoada.

Estavamos no fim d'outubro, em dia de Santos.

As raparigas, e rapazes faziam os classicos magustos, e dançavam alegremente em volta das fogueiras, aonde as castanhas estalavam. Os velhos entretinham-se nos seus misteres da lavoura, e as velhas conversavam no seu predilecto assumpto — a casa negra e o seu habitante.