Saltar para o conteúdo

Página:A Esperanca vol. 2 (1866).pdf/38

Wikisource, a biblioteca livre
38
A Esperança

 


Mas no fim de tão longo martyrio
Refulgente reluz uma esp'rança;
Como surge tambem a bonança
Terminado o fragor da procella,
Como as ondas barrentas se acalmam
Apoz longo, fermente agitar,
Tal meu peito se deixa affagar
Pela esp'rança risonha e tão bella.

Ante a luz que essa esp'rança diffunde,
Ante esse astro de mago condão;
Inda ha pranto, martyrio, afflicção;
Inda ha lento viver de amargura...
Mas depois de passada essa nuvem,
Ilade a esp'rança brilhante apparecer;
Já sem veu que lhe possa envolver,
Os seus raios de immensa ventura.

Eia pois, ó meu peito, coragem,
Não te deixes assim succumbir,
Cessa, ó lyra, tambem de carpir
Meu soffrer pela ausencia cauzado...
Cala as dores que o meu peito torturam.
Vê se podes meu pranto occultar,
P'ra podermos melhor offertar
Este adeus ao meu pai adorado.

Veiga — novembro.

 

 
A. C.

Quando te vi, donzella, a vez primeira
os teus olhos fitando no horisonte;
quando te vi, pendida ao seio a fronte,
a sombra procurando da palmeira;

quando te vi nos labios nacarados
um sorriso adejar pudico e terno,
em minh'alma senti nascer o inferno
que os dias me tornou amargurados....

E n'esse dia o rouxinol cadente
— o trovador canóro da floresta —
soltára, em vez d'um cantico de festa,
um cantico d'amor sincero e ardente!

E em quanto seus gorgeios modulava
junto de ti o trovador alado,
silencioso, extactico ao teu lado
tua virginea fronte eu contemplava.

Mas ao findar o mavioso canto
do plumôso cantor, tambem findava
o grato enlevo em que embebido estava,
a risonha visão, o meu encanto.

De tua formosura impressionado,
e encontrando alli a sós comtigo,
não pude calcular o immenso p'rigo
que me ia succeder; e em fim ousado,

caminhei para ti — não me sentiste!
(Não pára aqui o meu arrojo ainda)
A tua mão beijei formoza e linda;
mas, infeliz de mim! tu me fugiste....

 

Augusto Queiroz.

 

 
O Caçador

 

Mal que aurora luz fagueira,
Por meu cão fiel seguido
Levo a arma companheira
E das pompas esquecido
Transponho contente os montes
E descanço junto ás fontes,
Dos bosques sou o senhor!
Por feliz que o grande seja.
Eu não lhe tenho inveja,
Feliz é o caçador!

Que livre elle é nas florestas!
Que ar tão puro alli aspira!
São alli as suas festas,
Se é poeta toma a lyra,
Solta o canto em liberdade
E de Deus na immensidade
Emprega a imaginação;
Eis sente a caça e repara,
N'um instante a arma despára,
Busca, busca, diz ao cão.

Não trocava por um solio
Venturas do caçador;
Ha n'estas selvas mais vida,
Mais saudade e mais amor!