“Como já disse, o Brasil era muito dócil e a cada vôo me deixava em um belo lugarejo nos arredores de Paris. Participei com ele de uma competição instituída por conta da fundação do Aero-Club em St Cloud no dia 25 de outubro de 1898. Não fui o vencedor, mas o belo e transparente Brasil me levou direitinho até Chantilly. Percebi a menudo que onde eu via prazer, outros balonistas mais experientes se preocupavam com perigos, certa vez em uma excursão que fiz em companhia de Machuron, o “guide-rope” se enroscou em uma arvore e o vento nos sacudia tão barbaramente, o sr. Machuron aproveitou a circunstancia para afastar de mim toda a ilusão a respeito da aerostação dirigível.
— Observe a trêita e o humor vingativo desse vento, gritava-me ele no meio dos balanços. Estamos presos á arvore, e veja com que forca ele procura arrancar-nos! (Nesse momento fui atirado ao fundo da barquinha). Que propulsor a hélice seria capaz de vencê-lo? Que balão alongado não se dobraria em dois?
Era desencorajador! Regressando a Paris pelo trem de ferro, renunciei continuar as experiências de Giffard. E nesta disposição de espírito me mantive durante semanas. Seria capaz de sustentar uma longa polemica contra a dirigibilidade dos balões.
Depois veio de novo um período de tentação, porque uma idéia longo tempo acariciada não morre imediatamente.
Ao mesmo tempo que considerava as dificuldades práticas do projeto, sentia que meu espírito instintivamente trabalhava para se convencer de que elas eram imaginárias. Surpreendia-me murmurando: “Se fizer um balão cilíndrico bastante comprido e bastante fino, ele fenderá o ar...” e, com respeito ao vento: 'Serei criticado por ter recusado sair sob um vendaval, quando nenhuma censura se faz contra o “yachtsman” em situação semelhante”?
Um acidente decidiu-me. Sempre adorei a simplicidade, razão pela qual não aprecio as complicações, por mais engenhosas que sejam. Os motores de triciclo chegavam então a uma alta perfeição. Sua simplicidade encantava-me; e sem que a lógica interviesse, seus méritos prevaleceram no meu espírito contra todas as objeções opostas ao balão dirigível.
Utilizar-me-ei deste motor leve e potente, disse eu. Giffard não teve um tal auxiliar.
A máquina a vapor de Giffard, máquina primitiva e de pouca força relativamente ao seu peso, com uma fornalha que vomitava faíscas ardentes, não oferecia ao corajoso inovador nenhuma possibilidade séria de êxito.
Não perdi tempo pensando num motor elétrico que, se apresenta poucos perigos, sob o ponto de vista da aerostação, tem o defeito capital de ser a máquina mais pesada que se conhece, com relação ao peso da sua bateria.
Com uma libra de petróleo podeis desenvolver um cavalo de forca durante uma hora. Para obter esta mesma energia da máquina a vapor mais aperfeiçoada a, precisareis de muitos quilos d’água e de combustível, petróleo ou outro. Não podereis descer a menos de vários quilos por cavalo, mesmo pela condensação da água.
Outra desvantagem: o carvão, com os motores a vapor, desprenderá fagulhas. O petróleo, com os mesmos motores vos dará chamas em profusão. Façamos justiça ao motor a petróleo que não desprende nem chamas nem centelhas inflamáveis.
Neste momento tenho um motor a petróleo que não pesa senão 2 quilos por cavalo-vapor. É portanto, á leveza e simplicidade do pequeno motor de triciclo de 1897 que devo todas as minhas experiências. Parti do principio de que, para alcançar não importa que espécie de êxito, seria indispensável reduzir o peso, e assim ater-se ás condições, não só financeiras, como mecânicas, do problema.
Estou hoje completamente dedicado á construção de aeronaves; filo de corpo e alma. No começo porém, fui um tímido principiante, não querendo empregar somas vultosas na realização de um projeto duvidoso.
Por essa razão é que preferi construir um balão alongado com o volume apenas necessário para suportar, além dos meus cinqüenta quilos de peso, o da barquinha e seu equipamento, o motor, o combustível, e o lastro estritamente indispensável.
Na realidade, uma aeronave, expressamente para o meu pequeno motor de triciclo.