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Página:A Maravilhosa Vida de Santos=Dumont.pdf/91

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Calculei que nessa excursão, se o ar tivesse estado calmo, minha velocidade relativamente ao solo tinha atingido 25 quilômetros á hora. Em outros termos, que tinha realizado no ar esta velocidade, si o vento estivesse forte mas não violento. Por conseguinte, mesmo que razões sentimentais não me houvessem feito baixar em Bagatelle, eu teria hesitado em voltar com o vento á estação de Vaugirard, peque- na, de difícil acesso, rodeada de construções de toda natureza, de um bairro muito ativo. A aterrissagem em Paris é geralmente perigosa para qualquer balão, por causa das chaminés que ameaçam rasgar-lhe o flanco, e das telhas, sempre prontas a cair sobre a cabeça dos transeuntes. Mais tarde, quando as aeronaves forem de uso tão comum, como são hoje os automóveis, será preciso construir para elas, nos diversos bairros da cidade, plataformas de aterragem publicas e particulares.

Estas plataformas, Wells já as previu no seu livro singular: “Quand le dormeur s'eveille”.

Considerações deste jaez fizeram nascer em mim o desejo de possuir um material próprio. Tinha necessidade duma construção para abrigar minha aeronave nos intervalos das minha pequenas viagens. Até então, em cada regresso, eu era obrigado a esvaziar o balão. Uma necessidade a que são forçados todos os balões esféricos. Com os dirigíveis, eu entrevia a possibilidade de proceder diferentemente. É que acabava de constatar que após um cruzeiro de longa duração meu balão havia perdido tão pouco gás — se é que realmente ele perdera algum — pois após uma noite passada na garage, encontrava-se, na manhã seguinte, em condições de voar novamente.

A partir desse dia, não guardei mais a menor dúvida a respeito do sucesso da minha invenção. Reconheci que ia, para toda a vida, dedicar-me á construção de aeronaves. Precisava ter minha oficina, minha garage aeronáutica, meu aparelho gerador de hidrogênio e um encanamento, que comunicasse minha instalação com os condutos do gás de iluminação.

•Aéro Club acabava de adquirir um terreno na área recentemente aberta das colinas de Saint Cloud. Resolvi construir aí um grande hangar, comprido e bastante alto para comportar minha aeronave com seu balão completamente cheio, e onde se encontrassem todas as comodidades acima referidas. Todos os meus problemas até aquele ponto pareciam estar resolvidos, e a perspectiva de desenvolver os meus projetos me encha de alegria”

Com ar de satisfação Santós olhava para o infinito enquanto lagrimas se acumulavam em seus olhos “aquele era indubitavelmente o momento mais feliz de minha vida”.

Percebendo que a emoção estava fatigando nosso herói Yolanda pega em sua mão e também muito emocionada diz “este momento é indubitavelmente muito especial para mim, a paixão que expressa quando se refere a suas aeronaves enche meu coração de alegria. Acredito que nunca vi em minha vida um homem ser capaz de tanto amor, tanta sensibilidade, tanta emoção. Sinto muita falta dessa paixão em minha vida.”

“Como pode dizer isso”replica Santós “eres uma mulher apaixonada, apaixonada pela vida”.

Neste instante Soriano pede licença e ao mesmo tempo levanta-se um tanto quanto atrapalhado simulando uma ida ao banheiro. O casal continua se olhando sem ao menos elevarem os olhos a Soriano e ao perceber que ele se afasta Santos segura fortemente a mão de Yollanda e diz “pensei que fosse apaixonada por Jaime”. Yollanda então abaixa sua cabeça e pela primeira vez demonstra estar descontrolada. Seus olhos movem-se freneticamente enquanto busca com a mão livre sua taça de vinho, quase entornando na mesa, sorve vigorosamente. “Alberto, como pode...” então já um pouco mais recomposta completa “estou passando por um momento muito difícil em meu casamento, sinto que Jaime está cada vez mais distante” Ambos interrompem a conversa enquanto se olham até que Soriano retorna. “Vamos” anuncia “já acertei a conta e amanhã temos que acordar cedo. Tenho uma grande surpresa para vocês”.

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