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Página:A Reforma da Natureza (12ª edição).pdf/10

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MONTEIRO LOBATO

E assim discorrendo, Américo provou que tudo estava errado e só ele era capaz de dispor com inteligência o mundo.

— Mas o melhor — concluiu — é não pensar nisso e tirar uma soneca à sombra destas árvores, não acha?

E Américo Pisca-Pisca, pisca-piscando que não acabava mais, estirou-se de papo para cima à sombra da jabuticabeira.

Dormiu. Dormiu e sonhou. Sonhou com o mundo novo, inteirinho reformado pelas suas mãos. Que beleza!

De repente, porém, no melhor do sono, plaf!, uma jabuticaba cai do galho bem em cima do seu nariz.

Américo despertou de um pulo. Piscou, piscou. Meditou sobre o caso e afinal reconheceu que o mundo não estava tão mal feito como ele dizia. E lá se foi para casa, refletindo:

— Que espiga!... Pois não é que se o mundo tivesse sido reformado por mim, a primeira vítima teria sido eu mesmo? Eu, Américo Pisca-Pisca, morto pela abóbora por mim posta em lugar da jabuticaba? Hum!... Deixemo-nos de reformas. Fique tudo como está, que está tudo muito bom.

E Pisca-Pisca lá continuou a piscar pela vida a fora, mas desde então perdeu a cisma de corrigir a Natureza.

Ao ouvirem Dona Benta contar essa fábula, todos concordaram com a moralidade, menos Emília.

— Sempre achei a Natureza errada, — disse ela — depois de ouvir a história do Américo Pisca-Pisca, acho-a mais errada ainda. Pois não é um erro fazer um sujeito pisca-pisca? Para que tanto "pisco"? Tudo que é demais está errado. E quanto mais eu "estudo a Natureza", mais vejo erros. Para que tanto beiço em tia Nastácia? Por que dois chifres na frente das vacas e nenhum atrás? Os inimigos atacam mais por trás do que pela frente. E é tudo assim. Erradíssimo. Eu, se fosse reformar o mundo, deixava tudo um encanto e começava reformando essa fábula e esse Américo Pisca-Pisca.

A discussão foi longe naquele dia; todos se puseram contra a reforma, mas a teimosa criaturinha não cedeu. Berrou que tudo estava errado e que ela havia de reformar a Natureza.

— Quando, Marquesa? — perguntou ironicamente Narizinho.

— Da primeira vez em que me pilhar aqui sozinha.