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MONTEIRO LOBATO

Dona Benta pensou, pensou e afinal se convenceu de que tia Nastácia tinha razão. Controlada pelo Conselheiro e defendida pelo Quindim, que mal havia em Emília ficar?

E Emília ficou.

Narizinho, porém, que era a que mais conhecia a Emília, não deu crédito àquele pretexto de não ir para não dar escândalo.

— Isso é história dela, vovó! Emília até gosta de escândalo. Quer ficar sozinha eu sei para que é — para sapecar à vontade, fazer alguma coisa ainda mais maluca do que aquela da Chave do Tamanho. Eu, se fosse a senhora, não a deixava aqui sozinha.

Mas Dona Benta era a democracia em pessoa: jamais abusou da sua autoridade para oprimir alguém. Todos eram livres no Sítio, e justamente por essa razão nadavam num verdadeiro mar de felicidade. Emília recusava-se a ir? Pois então que não fosse. Como forçá-la a ir? Com que direito? E que adiantaria ir a contragosto, emburrada? E Emília teve licença para ficar.

Isso foi na própria manhã da vinda do convite. Um mês depois chegava a comissão incumbida de levar Dona Benta. Essa comissão veio no único navio ainda existente no mundo. Todos os outros estavam repousando no fundo dos mares, vítimas dos submarinos e torpedos aéreos. Dona Benta arrumou as malas, vestiu o seu vestido de gorgorão amarelo do tempo de D. Pedro II, mandou que tia Nastácia pusesse a saia nova de pintinhas verdes e lá foram as duas para bordo do navio. Pedrinho e Narizinho acompanhavam a ilustre vovó na qualidade de netos; e o Visconde, com uma gorda pasta de ciência debaixo do braço, seguia na qualidade de Consultor Científico.

Emília, o Conselheiro e Quindim estiveram presentes ao bota-fora na porteira e ouviram as últimas recomendações de tia Nastácia sobre as galinhas, os porquinhos de ceva e uma ninhada de pintos que já estavam bicando.

— Não se ponham a ajudar os pintinhos a sair da casca, senão eles morrem — disse ela. — Pinto sabe muito bem se arrumar sozinho. E não se esqueçam de molhar as mudinhas de couve lá na horta.

Ouvindo aquelas recomendações tão sensatas, os homens da comissão entreolharam-se, como quem diz: "Com pessoas de tão belo espírito e tão cuidadosas de tudo, a Conferência vai ser um verdadeiro triunfo para a humanidade" (e não erraram).

Assim que se pilhou sozinha, Emília correu à máquina de escrever e bateu uma carta para uma menina do Rio de Janeiro com a