Página:A Relíquia.djvu/245

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beira dos labios uma malga, onde boiavam pedaços de gêlo entre flôres de laranjeira.

— Pois agora, disse eu lambendo os dedos, tenho lastro até ao meio dia...

— Que a tua alma se regosije!

Accendi um cigarro, debrucei-me na janella. A casa de Gamaliel ficava n’um alto, decerto por traz do Templo, sobre a collina d’Ophel: alli o ar era tão dôce e macio, que só o sentir a sua caricia enchia de paz o coração. Por baixo corria a muralha nova erguida por Herodes o Grande; e para além floriam jardins e pomares dando sombra ao Valle da Fonte, e subindo até á collina, em que branquejava, calada e fresca, a aldeia de Siloé. Por uma fenda, entre o monte do Escandalo e a collina dos Tumulos, eu via resplandecer o mar Morto como uma chapa de prata: as montanhas de Moab ondulavam depois, suaves, d’um azul apenas mais denso que o do céo: e uma fórma branca, que parecia tremer na vibração da luz, devia ser a cidadella de Makeros sobre o seu rochedo, nos confins da Idumêa. No terraço relvoso d’uma casa, ao pé das muralhas, uma figura immovel, abrigada sob um alto guarda-sol franjado de guisos, olhava como eu para esses longes da Arabia: e ao lado uma rapariga, ligeira e delgada,