Página:A Relíquia.djvu/268

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continuámos devagar pela galeria sonora e clara: na sua extremidade brilhava uma porta sumptuosa de cedro com chapas de prata lavradas: um Pretoriano de Cesarêa guardava-a, somnolento, encostado ao seu alto escudo de vime. Ahi, commovido, caminhei para o parapeito: e logo meus olhos mortaes encontraram lá em baixo — a fórma encarnada do meu Deus!

Mas, oh rara surpreza da alma variavel, não senti extasis nem terror! Era como se de repente me tivessem fugido da memoria longos, laboriosos seculos de Historia e de Religião. Nem pensei que aquelle homem sêcco e moreno fosse o Remidor da Humanidade... Achei-me inexplicavelmente anterior nos tempos. Eu já não era Theodorico Raposo, christão e bacharel: a minha individualidade como que a perdera, á maneira d’um manto que escorrega, n’essa carreira anciosa desde a casa de Gamaliel. Toda a antiguidade das coisas ambientes me penetrára, me refizera um sêr; eu era tambem um antigo. Era Theodoricus, um Lusitano, que viera n’uma galera das praias resoantes do Promontorio Magno, e viajava, sendo Tiberio imperador, em terras tributarias de Roma. E aquelle homem não era Jesus, nem Christo, nem Messias, — mas apenas um