tomei o oculo, abri a vidraça — e olhei por elle, como da borda d’uma nau que vai perdida nas aguas. Sim, muito sagazmente o affirmára Justino, a asquerosa Patrocinio deixava-me o oculo com rancoroso sarcasmo — para eu vêr através d’elle o resto da herança! E eu via, apesar da escura noite, nitidamente via o Senhor dos Passos sumindo os maços de inscripções dentro da sua tunica rôxa; o Casimiro tocando com as mãos moribundas os lavores das pratas, espalhadas sobre o seu leito; e o vilissimo Negrão, de casaco de cotim e galochas, passeando regalado á beira d’agua, sob os olmos do Mosteiro! E eu alli, com o oculo!
Eu alli para sempre, na travessa da Palha, possuindo na algibeira d’umas calças com fundilhos setecentos e vinte — para me debater através da cidade e da vida! Com um urro atirei o oculo, que foi rolando até junto da chapeleira onde eu guardava o capacete de cortiça da minha jornada em Terra Santa. Alli estavam, esse capacete e esse oculo, emblemas das minhas duas existencias — a de esplendor e a de penuria! Havia mezes, com aquelle capacete na nuca, eu era o triumphante Raposo, herdeiro da snr.ª D. Patrocinio das Neves, remexendo ouro nas algibeiras, e sentindo em torno,