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A REVISTA

Quanto mais admiraveis os garçons franceses! Não falo agora do criado Inglês, Phipps, entidade romanesca, severo e absolutamente idiota. Impassivel. Detesto o criado portuga, burrissimo e colocador de pronomes. Abomino o espanhol, pegajoso esguio, frequentemente de olhos verdes. O italiano seria bem mais apreciavel mas tem unhus sujas—qualidade mais que inutil pra dispor sobre a mesa talher prato e a sensualidade traiçoeira das pastelarias.

A França é a terra dos poetas classicos e dos garçons geniais. Olhe como ele se multiplica liquefaz e transcende a desordem escura da vida subjugando-a metodizando-a, Nada tem de mais classico na França que a bem composta servilidade do garçon. A França criou o garçon. A propria França é o garçon da humanidade. Veja a literatura dela e artes todas. Onde o Shakespeare que revela ? o Dante que domina? o Cervantes que descobre? o Dostolewsky que acabrunha? Onde o Rubens que incendeia? o Miguelanjo que alucina? o Mozart que diviniza? Não. Porém sob a capa amarela encontraremos o adivinho dos fosforos. "Un peu de chaque chose e rien du tout, à la françoise" não ? Montaigne... Tem de tudo em dose humana e comedida. Divinatoria solicitude, abundancia amornante. discreção camarada. Racine e Colette, Ingres e Delacroix; Couperin e Massenet. Claridade risonha, felicidade e scepticismo, morte dos deuses, morte dos misterios e da bruma, meio-termo. Melotermo! Afastamento do angustioso e do incomensuravel. Medida. Ordem. Clareza. Claridade !

França, Filha unica da Grecia ! Garçon, filho de lavadeira! Esta alimpou da truculencia e misticismo barbaro da Asia a roupa branca que pelos seculos dos seculos resguardará de chuva e frio a epiderme da humanidade pensativa. Lavou genialmente. Linho mais alvo que Socrates, Platão, Aristoteles não tem. Mas não basta a roupa. O garçon veio preparar a jante suculenta e várla com pratos pra todos os estomagos e vinho pra todas as guelas. Riqueza carinho e comedimento. Curiosidades pra todos os curiosos, mediana calma tpra odo os agitados, duchas quentes e duchas frias. Duchas escocesas. E sobretudo maravilhosamente o descobrimento dos fosforos... Eu te venero, França! oh servidora ideal, garçon da gente !...

(do romance Amar, Verbo Intransitivo) — (INEDITO)