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Eu continuava a ouvi-lo. Naquela boléia falava um cultor do quietismo, um renanista que tivesse compreendido o nirvana. Nem uma ambição, nem um ódio: apenas um sorriso de quem não se rala com a vida e vem para a rua almejando não encontrar fregueses, para dormir mais à vontade.

– Ah! este carro! murmurei. Quanta história podia você contar. Quantas cenas de amor, quantos beijos, quantas angústias e quantos crimes!

– Este carro não; outros, ou antes, eu. Fui de cocheira, fui de casa particular e trabalhei por minha conta. Quando caiu o ministério João Alfredo fui eu quem o levou ao Paço. Agora essas coisas de beijos – noutro tempo era nas berlindas.

– Tinha vontade de saber a sua opinião.

Ele arregalou muito os olhos.

– A respeito de beijos? Sei lá!

– Não, a respeito da Monarquia e da República.

Ele sorriu, pensou.

– A Monarquia tinha as suas vantagens. Era mais bonito, era mais solene. Não vá talvez pensar que eu sou inimigo da República. Mas recorde por exemplo um dia de audiência pública do imperador. Que bonito! Até era um garbo levar os fregueses lá. Ó Braga, onde estiveste? Fui à Boa Vista! Hoje todo o mundo entra no palácio do Catete. Não tem importância... É verdade que o Obá entrava no Paço. Mas era príncipe. E então para conhecer homens importantes! Não precisava saber-lhes o nome. Os ministros tinham uma farda bonita, o imperador saía de papo de tucano. Bom tempo aquele! Hoje a gente tem de suar para