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do milagre do lucro ou da popularidade. A estética, a ornamentação das ruas, é o resultado do respeito e do medo que lhes temos...

No espírito humano a rua chega a ser uma imagem que se liga a todos os sentimentos e serve para todas as comparações. Basta percorrer a poesia anônima para constatar a flagrante verdade. É quase sempre na rua que se fala mal do próximo. Folheemos uma coleção de fados. Lá está a idéia:


Adeus, ó Rua Direita
Ó Rua da Murmuração.
Onde se faz audiência
Sem juiz nem escrivão.

Aliás muito tímida, como devendo ser cantada por quem tem culpa no cartório. Mas, se um apaixonado quer descrever o seu peito, só encontra uma comparação perfeita.


O meu peito é uma rua
Onde o meu bem nunca passa,
É a rua da amargura
Onde passeia a desgraça.

Se sente o apetite de descrever, os espécimens são sem conta.


Na rua do meu amor
Não se pode namorar:
De dia, velhas à porta,
De noite, cães a ladrar.