Página:A cidade e as serras (1901).pdf/140

Wikisource, a biblioteca livre
126
A cidade e as serras

dos seculos — o meu Principe vergou a nuca docil, como se ellas brotassem, inesperadas e frescas, d’uma Revelação superior, n’aquelles cimos de Montmartre:

— Sim, com effeito, a Cidade... É talvez uma illusão perversa!

Insisti logo, com abundancia, puchando os punhos, saboreando o meu facil philosophar. E se ao menos essa illusão da Cidade tornasse feliz a totalidade dos sêres, que a manteem... Mas não! Só uma estreita e reluzente casta goza na Cidade os gozos especiaes que ella cria. O resto, a escura, immensa plebe, só n’ella soffre, e com soffrimentos especiaes que só n’ella existem! D’este terraço, junto a esta rica Basilica consagrada ao Coração que amou o Pobre e por elle sangrou, bem avistamos nós o lobrego casario onde a plebe se curva sob esse antigo opprobrio de que nem Religiões, nem Philosophias, nem Moraes, nem a sua propria força brutal a poderão jámais libertar! Ahi jaz, espalhada pela Cidade, como esterco vil que fecunda a Cidade. Os seculos rolam; e sempre immutaveis farrapos lhe cobrem o corpo, e sempre debaixo d’elles, através do longo dia, os homens labutarão e as mulheres chorarão. E com este labor e este pranto dos pobres, meu Principe, se edifica a abundancia da Cidade!