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A cidade e as serras
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áquella avenida de faias, que sempre me encantára pela sua fidalga gravidade. Atirando uma vergastada ao burro e á egua, o nosso rapaz, com o seu podengo sobre os calcanhares, gritou: — «Aqui é que estêmos, meus amos!» E ao fundo das faias, com effeito, apparecia o portão da quinta de Tormes, com o seu brazão de armas, de secular granito, que o musgo retocava e mais envelhecia. Dentro já os cães ladravam com furor. E quando Jacintho, na sua suada egua, e eu atraz, no burro de Sancho, transpozemos o limiar solarengo, desceu para nós, do alto do alpendre, pela escadaria de pedra gasta, um homem nedio, rapado como um padre, sem collete, sem jaleca, acalmando os cães que se encarniçavam contra o meu Principe. Era o Melchior, o caseiro... Apenas me reconheceu, toda a bocca se lhe escancarou n’um riso hospitaleiro, a que faltavam dentes. Mas apenas eu lhe revelei, d’aquelle cavalheiro de bigodes louros que descia da egua esfregando os quadris, o senhor de Tormes — o bom Melchior recuou, colhido de espanto e terror como diante d’uma avantesma.

— Ora essa!... Santissimo nome de Deus! Pois então...

E, entre o rosnar dos cães, n’um bracejar desolado, balbuciou uma historia que por