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A CIDADE E AS SERRAS

— ou então, para se destacar na pardacenta e chata Rotina e trepar ao frágil andaime da gloriola, inventa num gemente esforço, inchando o crânio, uma novidade disforme que espante e que detenha a multidão como um mostrengo numa feira. Todos, intelectualmente, são carneiros, trilhando o mesmo trilho, balando o mesmo balido, com o focinho pendido para a poeira onde pisam, em fila, as pegadas pisadas; — e alguns são macacos, saltando no topo de mastros vistosos, com esgares e cabriolas. Assim, meu Jacinto, na Cidade, nesta criação tão anti-natural onde o solo é de pau e feltro e alcatrão, e o carvão tapa o céu, e a gente vive acamada nos prédios como o paninho nas lojas, e a claridade vem pelos canos, e as mentiras se murmuram através cie arames — o homem aparece como uma criatura anti-humana, sem beleza, sem força, sem liberdade, sem riso, sem sentimento, e trazendo em si um espírito que é passivo como um escravo ou impudente como um histrião... E aqui tem o belo Jacinto o que é a bela Cidade!

E ante estas encanecidas e veneráveis invectivas, retumbadas pontualmente por todos os Moralistas bucólicos, desde Hesíodo, através dos séculos — o meu Príncipe vergou a nuca dócil, como se elas brotassem, inesperadas e frescas, duma Reve- lação superior, naqueles cimos de Montmartre:

— Sim, com efeito, a Cidade... É talvez uma ilusão perversa!

Insisti logo, com abundância, puxando os punhos, saboreando o meu fácil filosofar. E se ao menos essa ilusão da Cidade tornasse feliz a totalidade dos seres que a mantêm... Mas não!

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