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A CIDADE E AS SERRAS

pois, que incessantemente a plebe sirva, a plebe pene! A sua esfalfada miséria é a condição do esplendor sereno da Cidade. Se nas suas tigelas fumegasse a justa ração de caldo — não poderia aparecer nas baixelas de prata a luxuosa porção de foie-gras e túbaras que são o orgulho da Civilização. Há andrajos em trapeiras — para que as belas Madamas de Oriol, resplandecentes de sedas e rendas, subam, em doce ondulação, a escadaria da Ópera. Há mãos regeladas que se estendem, e beiços sumidos que agradecem o dom magnânimo dum sou — para que os Efrains tenham dez milhões no Banco de França, se aqueçam à chama rica da lenha aromática, e surtam de colares de safiras as suas concubinas, netas dos Duques de Atenas. E um povo chora de fome, e da fome dos seus pequeninos — para que os Jacintos, em Janeiro, debiquem, bocejando, sobre pratos de Saxe, morangos gelados em Champanhe e avivados dum fio de éter!

— E eu comi dos teus morangos, Jacinto! Miseráveis, tu e eu!

Ele murmurou, desolado:

— É horrível, comemos desses morangos... E talvez por uma ilusão!

Pensativamente deixou a borda do terraço, como se a presença da Cidade, estendida na planície, fosse escandalosa. E caminhámos devagar, sob a moleza cinzenta da tarde, filosofando — considerando que para esta iniquidade não havia cura humana, trazida pelo esforço humano. Ah, os Efrains, os Trèves, os vorazes e sombrios tubarões do mar humano, só abandonarão ou afrouxarão a exploração das Plebes, se uma influência

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