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A CIDADE E AS SERRAS

mármores novos dos seus Templos, e as suas três mil concubinas, e as Rainhas que subiam do fundo da Etiópia para que ele as fecundasse e no seu ventre depusesse um Deus! Não há nada novo sob o Sol, e a eterna repetição das coisas é a eterna repetição dos males. Quanto mais se sabe mais se pena. E o justo como o perverso, nascidos do pó, em pó se tornam. Tudo tende ao pó efémero, em Jerusalém e em Paris! E ele, obscuro no 202, padecia por ser homem e por viver — como no seu trono de ouro, entre os seus quatro leões de ouro, o filho magnifico de David.

Não se separava então do Ecclesiastes. E circulava por Paris trazendo dentro do cupé Salomão, como irmão de dor, com quem repetia o grito desolado que é a suma da verdade humana — Vanitas Vanitatum! Tudo é Vaidade! Outras vezes, logo de manhã o encontrava estendido no sofá, num roupão de seda, absorvendo Schopenhauer — enquanto o pedicuro, ajoelhado sobre o tapete, lhe polia com respeito e perícia as unhas dos pés. Ao lado pousava a chávena de Saxe, cheia desse café de Moca enviado por emires do Deserto, que não o contentava nunca, nem pela força, nem pelo aroma. A espaços pousava o livro no peito, resvalava um olhar compassivo para o pedicuro, como a procurar que dor o torturaria — pois que a todo o viver corresponde um sofrer. Decerto o remexer assim, perpetuamente, em pés alheios... E quando o pedicuro se erguia, Jacinto abria para ele um sorriso de confraternidade — com um «adeus, meu amigo» que era um «adeus, meu irmão!»

Esse foi o período esplêndido e soberbamente

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