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A CIDADE E AS SERRAS

nas algibeiras das pantalonas, vagou pelo quarto, topando nas cadeiras, embicando contra os postes torneados do velho leito de D. Galião, num balanço vago, como barco já desamarrado do seu seguro ancoradouro, e sem rumo no mar incerto. Depois encalhou sobre a mesa onde eu conservava enfileirada, por gradações de sentimentos, desde o daguerreótipo do papá até à fotografia do Carocho perdigueiro, a galeria da minha Família.

E nunca o meu Príncipe (que eu contemplava esticando os suspensórios) me pareceu tão corcovado, tão minguado, como gasto por uma lima que desde muito o andasse fundamente limando. Assim viera findar, desfeita em Civilização, naquele super-requintado magricelas sem músculo e sem energia, a raça fortíssima dos Jacintos! Esses guedelhudos Jacintões, que nas suas altas terras de Tormes, de volta de bater o mouro no Salado ou o castelhano em Valverde, nem mesmo despiam as fuscas armaduras para lavrar as suas cãs e amarrar a vide ao olmo, edificando o Reino com a lança e com a enxada, ambas tão rudes e rijas! E agora, ali estava aquele último Jacinto, um Jacintículo, com a macia pele embebida em aromas, a curta alma enrodilhada em Filosofias, travado e suspirando baixinho na miúda indecisão de viver.

— Oh Zé Fernandes, quem é esta lavradeirona tão rechonchuda?

Estendi o pescoço para a Fotografia que ele erguera de entre a minha galeria, no seu honroso caixilho de pelúcia escarlate:

— Mais respeito, Sr. D. Jacinto... Um pouco

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