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Página:A cidade e as serras (1912).djvu/188

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A CIDADE E AS SERRAS

Fértil em ideias, estendi as mãos, num belo gesto tutelar:

— Tudo se arranja, meu Jacinto, tudo se arranja! Eu, largando daqui cedo, pelas seis horas, chego a Guiães às dez, ainda sem calor. E, mesmo antes do almoço e da cavaqueira com a tia Vicência, imediatamente te mando por um moço um saco de roupa branca. As minhas camisas e as minhas ceroulas talvez te estejam largas. Mas um mendigo como tu não tem direito a elegâncias e a roupas bem cortadas. O moço, num bom trote, entra aqui às duas horas; tens tempo de mudar antes de desceres para a Estação... Posso meter na mala uma escova de dentes.

— Oh Zé Fernandes! Então mete também uma esponja... E um frasco de água-de-colónia!

— Água de alfazema, excelente, feita pela tia Vicência...

O meu Príncipe suspirou, impressionado com a sua miséria esquálida, e esta dádiva de roupas:

— Bem, então vamos dormir, que estou esfalfado de emoções e de astros...

Justamente Melchior entreabria a pesada porta, com timidez, a avisar que «estavam preparadinhas as camas de suas Incelências». E seguindo o bom caseiro, que erguia uma candeia, que avistámos nós, o meu Príncipe e eu, ainda há pouco irmanados com os astros? Em duas saletas, que uma abertura em arco, lôbrego arco de pedra, separava — duas enxergas sobre o soalho. Junto à cabeceira da mais larga, que pertencia ao senhor de Tormes, um castiçal de latão sobre um alqueire; aos pés, como lavatório, um alguidar vidrado em

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