Página:A cidade e as serras (1912).djvu/236

Wikisource, a biblioteca livre
A CIDADE E AS SERRAS

valha, pensei comigo: Nada, o seguro morreu de velho! Meti para o alpendre... E não passara um credo quando lobriguei a V. Ex.a ... Coisa assim!... E o senhor D. Jacinto é voltar para casa, e mudarse, que temos um dia e uma noite de água.

Mas, justamente, a chuva começara a cair perpendicular, dum céu ainda negro, onde o vento se calara; e para além do rio e dos montes havia uma claridade, como entre cortinas de pano cinzento que se descerram.

Jacinto repousava. Eu não cessara de me sacudir, de bater os pés encharcados, que me arrefeciam. E o bom Silvério, passando a mão pensativa sobre o negrume das suas barbas, reflectia, emendava os seus prognósticos:

— Pois, não senhor... Ainda estia! Nunca pensei. É que tornejou o vento.

O alpendre que nos cobria assentava sobre duas paredes em ângulo, de pedra solta, restos de algum casebre desmantelado, e sobre um esteio fazendo cunhal. Nesse momento só abrigava madeira, um cuculo de cestos vazios, e um carro de bois, onde o meu Príncipe se sentara, enrolando um cigarro confortador. A chuva desabava, copiosa, em longos fios reluzentes. E todos três nos calávamos, naquela contemplação inerte e sem pensamento, em que uma chuva grossa e serena sempre imobiliza e retém olhos e almas.

— O Sr. Silvério, — murmurou lentamente o meu Príncipe, — que é que o senhor esteve aí a dizer de bexigas?

O procurador voltou a face surpreendido:

— Eu, Ex.mo Sr.?... Ah sim! a mulher do

228