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A CIDADE E AS SERRAS

de entremez, Jacinto entre a Natureza! Logo que se afastava dos pavimentos de madeira, do macadame, qualquer chão que os seus pés calcassem o enchia de desconfiança e terror. Toda a relva, por mais crestada, lhe parecia ressumar uma humidade mortal. De sob cada torrão, da sombra de cada pedra, receava o assalto de lacraus, de víboras, de formas rastejantes e viscosas. No silencio do bosque sentia um lúgubre despovoamento do Universo. Não tolerava a familiaridade dos galhos que lhe roçassem a manga ou a face. Saltar uma sebe era para ele um acto degradante que o retrogradava ao macaco inicial. Todas as flores que não tivesse já encontrado em jardins, domesticadas por longos séculos de servidão ornamental, o inquietavam, como venenosas. E considerava duma melancolia funambulesca certos modos e formas do Ser inanimado, a pressa esperta e vã dos regatinhos, a careca dos rochedos, todas as contorções do arvoredo e o seu resmungar solene e tonto.

Depois duma hora, naquele honesto bosque de Montmorency, o meu pobre amigo abafava, apavorado, experimentando já esse lento minguar e sumir de alma que o tornava como um bicho entre bichos. Só desanuviou quando penetrámos no lajedo e no gás de Paris — e a nossa vitória quase se despedaçou contra um ónibus retumbante, atulhado de cidadãos. Mandou descer pelos Boulevards, para dissipar, na sua grossa sociabilidade, aquela materialização em que sentia a cabeça pesada e vaga como a dum boi. E reclamou que eu o acompanhasse ao teatro das Variedades para sacudir, com os estribilhos da

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