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A CIDADE E AS SERRAS

sombrio leito do Grand-Hotel, todo fechado de espessos veludos, grossos cordões, pesadas borlas, como um palanque de gala. Nessa profunda cova de penas sonhei que em Tormes se construíra uma torre Eiffel, e que em volta dela as senhoras da Serra, as mais respeitáveis, a própria tia Albergaria, dançavam, nuas, agitando no ar saca-rolhas imensos. Com as comoções deste pesadelo, e depois o banho, e o desemalar da mala, já se acercavam as duas horas quando enfim emergi do grande portão, pisei, ao cabo de cinco anos, o Boulevard. E imediatamente me pareceu que todos esses cinco anos eu ali permanecera à porta do Grand-Hotel, tão estafadamente conhecido me era aquele estridente rolar da cidade, e as magras árvores, e as grossas tabuletas, e os imensos chapéus emplumados sobre tranças pintadas de amarelo, e as empertigadas sobrecasacas com grossas rosetas da legião de honra, e os garotos, em voz rouca e baixa, oferecendo baralhos de cartas obscenas, caixas de fósforos obscenas... Santo Deus! pensei, há que anos eu estou em Paris! Comprei, então, num quiosque, um jornal, a Voz de Paris, para que ele me contasse, durante o almoço, as novas da Cidade. A mesa do quiosque desaparecia, alastrada de jornais ilustrados: — e em todos se repetia a mesma mulher, sempre nua, ou meio despida, ora mostrando as costelas magras, de gata faminta, ora voltando para o Leitor duas tremendas nádegas... Eu outra vez murmurei : — Santo Deus ! No café da Paz, o criado lívido, e com um resto de pó de arroz sobre a sua lividez, aconselhou ao meu apetite, por ser tão tarde, um linguado frito e uma costeleta,

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