de livros novos. O meu amigo roçou de leve o dedo na parede: e uma coroa de lumes eléctricos, refulgindo entre os lavores do tecto, alumiou as estantes monumentais, todas de ébano. Nelas repousavam mais de trinta mil volumes, encadernados em branco, em escarlate, em negro, com retoques de ouro, hirtos na sua pompa e na sua autoridade como doutores num concílio.
Não contive a minha admiração:
— Oh Jacinto ! Que depósito !
Ele murmurou, num sorriso descorado:
— Há que ler, há que ler...
Reparei então que o meu amigo emagrecera: e que o nariz se lhe afilara mais entre duas rugas muito fundas, como as dum comediante cansado. Os anéis do seu cabelo lanígero rareavam sobre a testa, que perdera a antiga serenidade de mármore bem polido. Não frisava agora o bigode, murcho, caído em fios pensativos. Também notei que corcovava.
Ele erguera uma tapeçaria — entrámos no seu gabinete de trabalho, que me inquietou. Sobre a espessura dos tapetes sombrios os nossos passos perderam logo o som, e como a realidade. O damasco das paredes, os divãs, as madeiras, eram verdes, dum verde profundo de folha de louro. Sedas verdes envolviam as luzes eléctricas, dispersas em lâmpadas tão baixas que lembravam estrelas caídas por cima das mesas, acabando de arrefecer e morrer: só uma rebrilhava, nua e clara, no alto duma estante quadrada, esguia, solitária como uma torre numa planície, e de que o lume parecia ser o farol melancólico. Um biombo de laca verde, fresco verde de relva, resguardava