Saltar para o conteúdo

Página:A cidade e as serras (1912).djvu/92

Wikisource, a biblioteca livre
A CIDADE E AS SERRAS

Apenas se varava com perícia algum andaime obstruindo as portas — logo se esbarrava com uma pilha de tábuas, uma seira de ferramentas ou um balde enorme de argamassa. E os pedaços de soalho levantado mostravam tristemente, como num cadáver aberto, todos os interiores do 202, a ossatura, os sensíveis nervos de arame, os negros intestinos de ferro fundido.

Cada dia estacava diante do portão alguma lenta carroça, de onde os criados, em mangas de camisa, descarregavam caixotes de madeira, fardos de lona, que se despregavam e se descosiam numa sala asfaltada, ao fundo do jardim, por trás da sebe de lilases. E eu descia, reclamado pelo meu Príncipe, para admirar uma nova Máquina que nos tornaria a vida mais fácil, estabelecendo dum modo mais seguro o nosso domínio sobre a Substância. Durante os calores, que apertaram depois da Ascensão, ensaiámos esperançadamente, para refrescar as águas minerais, a Soda-Water e os Medocs ligeiros, três geleiras, que se amontoaram na copa sucessivamente desprestigiadas. Com os morangos novos apareceu um intrumentozinho astuto, para lhes arrancar os pés, delicadamente. Depois recebemos outro, prodigioso, de prata e cristal, para remexer freneticamente as saladas; e, na primeira vez que o experimentei, todo o vinagre esparrinhou sobre os olhos do meu Príncipe, que fugiu aos uivos! Mas ele teimava... Nos actos mais elementares, para aliviar ou apressar o esforço, se socorria Jacinto da Dinâmica. E agora era por intervenção duma máquina que abotoava as ceroulas.

E simultaneamente, ou em obediência à sua

84