Saltar para o conteúdo

Página:A correspondencia de Fradique Mendes (1902).djvu/113

Wikisource, a biblioteca livre

mortal como nós, que não nos entende, nem sequer nos vê, e donde não podemos esperar nem socorro nem consolação. Só nos resta para nos dirigir, na rajada que nos leva, esse secular preceito, suma divina de toda a experiência humana—«ajudai-vos uns aos outros!» Que, na tumultuosa caminhada, portanto, onde passos sem conta se misturam—cada um ceda metade do seu pão àquele que tem fome; estenda metade do seu manto àquele que tem frio; acuda com o braço àquele que vai tropeçar; poupe o corpo daquele que já tombou; e se algum mais bem provido e seguro para o caminho necessitar apenas simpatia de almas, que as almas se abram para ele transbordando dessa simpatia... Só assim conseguiremos dar alguma beleza e alguma dignidade a esta escura debandada para a Morte».

Decerto Fradique não era um santo militante, rebuscando pelas vielas miséria a resgatar; mas nunca houve mal, por ele conhecido, que dele não recebesse alívio. Sempre que lia por acaso, num jornal, uma calamidade ou uma indigência, marcava a notícia com um traço a lápis, lançando ao lado um algarismo—que indicava ao velho Smith o número de libras que devia remeter, sem publicidade, pudicamente. A sua máxima para com os pobres, (a quem os Economistas afirmam que se não deve Caridade mas Justiça)—era «que à hora das comidas mais vale um pataco na mão que duas Filosofias a voar». As crianças,