beira da Bem-aventurança, subitamente a perdia, e com ela o fruto divino e custoso de cinquenta anos de penitência e de ermo: um corvo, facundo e velho além de toda a velhice, contava façanhas do tempo em que seguira pelas Gálias, num bando alegre, as legiões de César, depois as hordas de Alarico rolando para a Itália, branca e toda de mármores sobre o azul o bom cavaleiro Percival, espelho e flor de Idealistas, deixava por cidades e campos o sulco silencioso da sua armadura de ouro, correndo o mundo, desde longas eras, à busca de S. Graal, o místico vaso cheio de sangue de Cristo, que, numa manhã de Natal, ele vira passar e lampejar entre nuvens por sobre as torres de Camerlon: um Satanás de feitio germânico, lido em Espinosa e Leibnitz, dava numa viela de cidade medieval uma serenada irônica aos astros, «gotas de luz no frio ar geladas»... E, entre estes motivos de esplêndido simbolismo, lá vinha o quadro de singela modernidade, as Velhinhas, cinco velhinhas, com xales de ramagens pelos ombros, um lenço ou um cabaz na mão, sentadas sobre um banco de pedra, num longo silêncio de saudade, a uma réstia de sol de Outono.
Não asseguro todavia a nitidez destas belas reminiscências. Desde essa sesta de Agosto, no Martinho, não encontrei mais as LAPIDÁRIAS: e, de resto, o que nelas então me prendeu, não foi a Ideia, mas a Forma — uma forma soberba de plasticidade e de vida, que ao mesmo tempo me lembrava o verso marmóreo de Leconte