Página:A correspondencia de Fradique Mendes (1902).djvu/189

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Era pouco, decerto:—mas a câmara compreendeu bem que, sob aquele curto resumo, havia um mundo, todo um formidável mundo, de ideias sólidas. Não volveu a falar durante meses—mas o seu talento inspirava tanto mais respeito, quanto mais invisível e inacessível se conservava lá dentro, no fundo, no rico e povoado fundo do seu ser. O único recurso que restou então aos devotos desse imenso talento (que já os tinha, incontáveis), foi contemplar a testa de Pacheco—como se olha para o céu pela certeza que Deus está por trás, dispondo. A testa de Pacheco oferecia uma superfície escanteada, larga e lustrosa. E muitas vezes, junto dele, Conselheiros e Diretores gerais balbuciavam maravilhados:—«Nem é necessário mais! Basta ver aquela testa!»

Pacheco pertenceu logo as principais comissões parlamentares. Nunca porém acedeu a relatar um projeto, desdenhoso das especialidades. Apenas às vezes, em silêncio, tomava uma nota lenta. E quando emergia da sua concentração, espetando o dedo, era para lançar alguma ideia geral sobre a Ordem, o Progresso, o Fomento, a Economia. Havia aqui a evidente atitude dum imenso talento que (como segredavam os seus amigos, piscando o olho com finura) «está à espera, lá em cima, a pairar». Pacheco mesmo, de resto, ensinava (esboçando, com a mão gorda, o voar superior duma asa por sobre o arvoredo copado) que o «talento verdadeiro só devia conhecer as coisas pela rama».