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Página:A correspondencia de Fradique Mendes (1902).djvu/36

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uma coisa bem digna dele, «bem catita» — salvar do fisco a múmia «dum figurão faraônico»! E arrebatou a carta dos Pintos Bastos, enfiou para a tipoia, gritou ao cocheiro a morada do Ministro, seu colega na Revolução de Setembro,. Assim fiquei só com Fradique — que me convidou a subir aos seus quartos, e esperar Vidigal, bebendo uma «soda e limão».

Pela escada, o poeta das LAPIDÁRIAS aludiu ao tórrido calor de Agosto. E eu que nesse instante, defronte do espelho no patamar, revistava, com um olhar furtivo, a linha da minha sobrecasaca e a frescura da minha rosa — deixei estouvadamente escapar esta coisa hedionda:

— Sim, está de escachar!

E ainda o torpe som não morrera, já uma aflição me lacerava, por esta «chulice» de esquina de tabacaria, assim atabalhoadamente lançada como um pingo de sebo sobre o supremo artista das LAPIDÁRIAS. O homem que conversara com Hugo à beira-mar!... Entrei no quarto atordoado, com bagas de suor na face. E debalde rebuscava desesperadamente uma outra frase sobre o calor, bem trabalhada, toda cintilante e nova! Nada! Só me acudiam sordidezes paralelas, em calão teimoso: — «é de rachar»! «está de ananases»! «derrete os untos»!... Atravessei ali uma dessas angústias atrozes e grotescas, que, aos vinte anos, quando se começa a vida e a literatura, vincam a alma — e jamais esquecem.