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A ILLUSTRE CASA DE RAMIRES

A livraria, clara e larga, escaiolada d’azul, com pesadas estantes de pau preto onde repousavam, no pó e na gravidade das lombadas de carneira, grossos folios de convento e de fôro, respirava para o pomar por duas janellas, uma de peitoril e poiaes de pedra almofadados de velludo, outra mais rasgada, de varanda, frescamente perfumada pela madresilva que se enroscava nas grades. Deante d’essa varanda, na claridade forte, pousava a mesa — mesa immensa de pés torneados, coberta com uma colcha desbotada de damasco vermelho, e atravancada n’essa tarde pelos rijos volumes da Historia Genealogica, todo o Vocabulario de Bluteau, tomos soltos do Panorama, e ao canto, em pilha, as obras de Walter Scott sustentando um copo cheio de cravos amarellos. E d’ahi, da sua cadeira de couro, Gonçalo Mendes Ramires, pensativo deante das tiras de papel almaço, roçando pela testa a rama de penna de pato, avistava sempre a inspiradora da sua Novella, — a Torre, a antiquissima Torre, quadrada e negra sobre os limoeiros do pomar que em redor crescera, com uma pouca d’hera no cunhal rachado, as fundas frestas gradeadas de ferro, as ameias e a miradoira bem cortadas no azul de Junho, robusta sobrevivencia do Paço acastellado, da fallada Honra de Santa Ireneia, solar dos Mendes Ramires desde os meados do seculo X.

Gonçalo Mendes Ramires (como confessava esse