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A ILUSTRE CASA DE RAMIRES
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João Gouveia saltou do camapé, como n’um perigo, reabotoando arrebatadamente a sobrecasaca; Gonçalo, atarantado, esbarrou com o Titó e o Barrôlo que recuavam, no terror de serem apercebidos atravez dos vidros largos; até Padre Sueiro, prudente, abandonou o seu recanto onde corria os oculos pela Gazeta do Porto. E todos, d’entre a fenda das cortinas, como soldados na fresta de uma cidadella, espreitavam o Largo, que o sol das quatro horas dourava por sobre os telhados musgosos da Cordoaria. Do lado da rua das Pêgas, as duas Louzadas, muito esgalgadas, muito sacudidas, ambas com manteletes curtos de seda preta e vidrilhos, ambas com guardasoes de xadresinbo desbotado, avançavam, estirando pelo largo empedrado duas sombras agudas.

As duas manas Louzadas! Seccas, escuras e garrulas como cigarras, desde longos annos, em Oliveira, eram ellas as esquadrinhadoras de todas as vidas, as espalhadoras de todas as maledicencias, as tecedeiras de todas as intrigas. E na desditosa Cidade não existia nodoa, pécha, bule rachado, coração dorido, algibeira arrasada, janella entreaberta, poeira a um canto, vulto a uma esquina, chapeu estreado na missa, bolo encommendado nas Mathildes, que os seus quatro olhinhos furantes d’azeviche sujo não descortinassem — e que a sua solta lingoa, entre os dentes ralos, não commentasse com malicia estridente!