Página:A illustre Casa de Ramires (1900).djvu/196

Wikisource, a biblioteca livre
188
A ILUSTRE CASA DE RAMIRES

chuvadas, até ao muro da Mãe d’Agua. De novo estacou, esfalfado. E julgando entrever, longe, á orla do arvoredo, uma mancha clara, algum jornaleiro em mangas de camisa, atirou um berro ancioso: — «Oh! Ricardo! Oh! Manoel! Eh lá! alguem! Vai ahi alguem?...» — A mancha indecisa fundira na indecisa folhagem. Uma rã pinchou n’um regueiro. Estremecendo, Gonçalo retomou a carreira até ao canto do pomar — onde encontrou fechada uma porta, velha porta mal segura, que abanava nos gonzos ferrugentos. Furioso, atirou contra ella os hombros que o terror enrijára como trancas. Duas taboas cederam, elle furou atravez, esgaçando a quinzena n’um prégo. — E respirou emfim no agazalho do pomar murado, deante das varandas da casa abertas á frescura da tarde, junto da Torre, da sua Torre, negra e de mil annos, mais negra e como mais carregada d’annos contra a macia claridade da lua-nova que subia.

Com o chapeu na mão, enxugando o suor, entrou na horta, costeou o feijoal. E agora subitamente sentia uma colera amarga pelo desamparo em que se encontrára, n’uma quinta tão povoada, exameando de gentes e dependentes! Nem um caseiro, nem um jornaleiro, quando elle gritára, tão afflicto, da borda da Mãe d’Agua! De cinco creados nenhum acudira, — e elle perdido, alli, a uma pedrada da eira e da abegoaria! Pois que dois homens corressem com paus