velho um d’esses typos excepcionaes, que atravessam o mundo entre a estranheza de quantos os rodeiam, a ninguem permittindo sondar os mysterios que guardam comsigo e para si, e creando para uso proprio regras de viver, sem attenção ás convenções sociaes.
Era um enigma vivo.
Nas aldeias acompanhava-o uma fama quasi de nigromante; attribuiam-lhe curas milagrosas, obtidas com os simplices, a cuja cultura e colheita consagrava as maiores attenções e canceiras.
Ninguem lhe queria mal, que a ninguem o fizera nunca. Poucos porém ousariam, depois do esconder do sol, ir procural-o á isolada casa em que vivia, escondida n’um quintal, que era cultivado com todo o amor pelo velho.
Em todos os casos intrincados vinham consultar o herbanario, e elle, como seguro da sua proficiencia, em caso algum recusava o alvitre.
Em resultado de leituras aturadas, mas sem escolha nem methodo, de uns alfarrabios herdados de um tio frade que tivera, adquirira imperfeitas e mal digeridas noções de sciencia, de que se mostrava orgulhoso. Livros de medicina antigos, alguns de jurisprudencia, outros de logica e de astronomia, constituiam a sua mesclada bibliotheca. Entre os livros mais predilectos e consultados contava um exemplar da Polyantheia de Curvo Semedo.
O herbanario principiára em creança uma educação tal ou qual, que revézes de familia haviam interrompido.
Os meios conhecimentos, que das suas habituaes leituras extrahira, e os erros, que de taes livros assimilára, eram os elementos, com que chegou a architectar uma sciencia informe, que na aldeia passava por maravilhosa.
E o caso era que a fama do homem voára de freguezia em freguezia, de concelho em concelho, e de muito longe o vinham ouvir como a oraculo.