Página:A morgadinha dos canaviais.djvu/357

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O desinteresse e o escrupulo do herbanario serviu á Fazenda Nacional de compensação ao excessivo preço por que fôram expropriados os bens de que o brazileiro se apossára, com o patriotico intuito de promover os seus melhoramentos particulares, preço que por empenho do conselheiro não foi litigado.

Ao principiarem os trabalhos, alguns grupos populares tentaram resistir, mas refrearam-se, em parte pelo respeito devido á cohorte de operarios melhor armados do que elles, em parte cedendo ás imperiosas ordens do herbanario, que, ao sair pela ultima vez da casa, onde envelhecera, lhes disse, com voz irritada e severa:

— Quem lhes pediu que defendessem estas arvores? Que amor lhes tendes vós, para vos amotinardes por causa d’ellas? Para traz!

Os instigadores das massas conheceram que não era aquella a occasião nem aquelle o pretexto proprio para os seus projectos, e adiaram, em vista d’isso, a empresa prudentemente.

Era ao fim da tarde de um dia ennevoado e frio, de um d’esses dias em que os animos mais fortes se deixam dominar de uma melancolia profunda.

Na baixa em que ficava a habitação do herbanario, ia uma azafama extraordinaria.

O machado demolidor e a alavanca principiaram a sua obra de destruição; desconjuntavam-se as pedras dos muros, desfazia-se em pó a argamassa secular, caíam a golpes de machado as vigas dos tectos e os troncos das arvores, alastrava-se de tijolo e caliça a verdura dos taboleiros, e cêdo, de toda aquella vivenda tão amena e virente, só restavam ruinas.

Numerosos grupos de já pacificados espectadores seguiam com curiosidade as operações de devastação; mas, longe d’alli, a maior distancia do que os indifferentes, assistiam ao espectaculo os unicos olhos que elle orvalhava de lagrimas, o unico coração que elle devéras apertava de dor.