Henrique conchegou a roupa a si; á falta de velador, pousou o castiçal no travesseiro, e, abrindo um livro que trouxera de Lisboa, poz-se a ler, para obedecer a um habito adquirido.
Não teria ainda lido um quarto de pagina, quando ouviu a voz da tia Dorothéa, que lhe dizia de fóra da porta:
—Ó menino, tu já te deitaste?
—Já, sim, tia Dorothéa.
—Olha se tens cautela com a luz. Eu tenho um mêdo de fogos!
—Esteja descançada, tia. Eu apago já.
—Então será melhor. S. Marçal nos acuda.
E afastou-se, rezando ao santo.
Henrique continuou a ler.
D’ahi a pouco a mesma voz:
—Tu já dormes, Henriquinho?
—Não, tia, ainda não durmo.
—Olha que não vás adormecer sem apagar a luz. Eu tenho um mêdo de fogos! Não descanço, emquanto não vejo tudo apagado em casa.
Henrique perdeu a paciencia.
—Pois pode socegar, olhe.
E apagou a véla, meio zangado.
—Fizeste bem, fizeste bem; isto já é tarde, e é melhor fazer por dormir. Então, muito boas noites.
—Muito boas noites—respondeu Henrique quasi amuado; e ageitando-se na cama, dizia comsigo:—E está! Já vejo que nem ler me é permittido aquí. Olhem que vida me espera! É isto o que me devia curar? Que fatalidade!
Dentro em pouco, os dois felpudos cobertores de papa, unicos que conservava dos cinco primitivos, começaram a fazer o seu effeito, insinuando nos membros cançados da jornada um agradavel calor. Convidavam ao somno o som da agua n’um tanque que ficava por debaixo das janellas do quarto e as gottas da chuva, que dos beiraes do telhado caíam compassadas na taboa do peitoril.