classicas estalagens das nossas provincias. As pequenas impertinencias, em que se não pensa antes, que se esquecem depois, ou que a saudade consegue até dourar e poetisar a seu modo; esses microscopicos martyrios, que de longe não avultam, actuam-nos, na occasião, a ponto de nos inhabilitar para o gôso do que é realmente bello. A dureza do colchão, em que se dorme, do albardão ou selim sobre que se monta, o tempêro ou destempêro do heteróclito cozinhado com que se enche o estomago, a lama que nos encrusta até os cabellos, o pó que se nos insinua até os pulmões, o frio que nos inteiriça os membros, o sol que nos congestiona o cerebro, tudo então nos desafina o espirito, que traziamos na tensão necessaria para vibrar perante as maravilhas da natureza ou da arte.
Só pelo preço de muitas jornadas se compra o habito de ficar impassivel no meio dos episodios d’estas pequenas odyssêas, que atormentam e exhaurem o animo dos Ulysses novatos; mas ai, quando se adquire esse habito, tambem nos achamos já com a sensibilidade mais embotada para as commoções do bello.
Examina-se com mais minuciosidade, mas com menos enthusiasmo; analysa-se mais e melhor; porém a propria analyse é a prova de que se sente menos. Onde domina o sentimento e a imaginação, mal teem cabida a paciencia e phleúgma, necessarias aos processos analyticos. O homem positivo e frio recolhe de qualquer excursão á patria com a carteira cheia de apontamentos; o enthusiasta e poeta nem uma data regista. Viu menos, sentiu mais.
Mas Henrique de Souzellas ― que era este o nome do cavalleiro ― fôra educado e passado da infancia á plena juventude, em Lisboa, levantando-se por avançada manhã, frequentando o theatro, o Gremio, as camaras, parolando no Chiado ou no Rocio, e indo alguns dias no anno a Cintra, ou qualquer