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Página:A mortalha de Alzira (1924).djvu/233

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— Fujamos! segredou Alzira, puxando pelo braço o companheiro.

— Não! Hei de beber-lhe primeiro o sangue! Hei de beber o sangue de todo aquele que pretender arrancar-te de meus braços!

E vergou-se sobre o cadáver, colando-lhe os lábios a uma ferida do peito que sangrava.

— Ângelo! Ângelo! partamos! Olha que aí vem o dia! exclamou a cortesã.

Ângelo ergueu então a cabeça e notou que, com efeito, em volta dele tudo começava a esbater-se à luz da aurora. O próprio cadáver de cuja ferida acabava ele de despregar a boca cheia de sangue, nada mais era do que uma transparente sombra, estendida a seus pés.

E as montanhas foram-se dissolvendo, e outros objetos se acentuando por detrás delas.

E Ângelo, de olhos bem abertos, foi a pouco e pouco distinguindo e reconhecendo o seu modesto aposento de Monteli. Através da tenebrosa paisagem que fugia, viu ele surgirem lentamente as velhas estantes pejadas de livros santos, viu o seu genuflexório de madeira escura e viu surgir o altar, onde a Virgem sorria com o coração atravessado de punhais.

E ergueu-se a meio sobre a cama, tateando os olhos e apalpando a enxerga.

Levou a mão aos lábios e consultou-a depois, tal era o enjoativo gosto de sangue que ainda sentia na boca.