Dei-te a vida ideal do sonho, onde não terias nunca as tristes misérias dessa outra vida em que vegetas!. . . Mas tu, insensato! acabas de destruir o que eu com tamanho amor criei para a tua felicidade!. . . Que lucraste em desfazer a nossa vida fantástica?. . . Que vantagens descobriste nessa miserável existência que te resta agora, tão carregada de tédios e mesquinhas necessidades?... Onde melhor poderíamos gozar a suprema ventura de nos amarmos, de que em um mundo ideal inventado pelo nosso próprio amor? . . .
— Sim! sim! exclamou Ângelo. Eu quero viver eternamente contigo!. . . Eu quero continuar a ser uma sombra! Eu quero sonhar!
— É tarde! repetiu o espectro. Mira-te na tua sombra! . . .
E o seu rosto começou a fazer-se pálido, e mais pálido, até tornar-se cor de osso, e os seus olhos foram-se esfumando, a cobrirem-se de sombra, até que nada mais eram do que dois negros buracos apagados, e seu nariz desapareceu, e os seus cabelos abandonaram o crânio amarelento e nu, e os seus lábios sumiram-se, deixando a descoberto os dentes já sem brilho.
E a caveira ressurgiu afinal, sorrindo para Ângelo, pavorosamente.
E por debaixo do alvo roupão mortuário, foi, pouco a pouco, fugindo a carne que o enchia. Desfizeram-se as voluptuosas curvas dos quadris e do colo.