uma profanação no meio desses muros aluídos, desses claustros ermos, sobre esse túmulo de uma população extinta, à face dessa cidade múmia.
Meu gosto era vagar à calada da noute por aquelas ruas solitárias, quando cessava o arruído, quando a palpitação e o resfolgar de emprestada existência já não galvanizava o cadáver da nobre e florescente vila de Duarte Coelho.
De ordinário ia sentar-me no adro desse Convento do Carmo, esqueleto de pedra, cuja ossada gigante o tempo ainda não tinha de todo arruinado. De um lado, sobre a quebrada que faz a montanha, descortinava-se o mar límpido e calmo; de outro erguia-se a massa informe da cidade recortando o seu perfil no azul do céu.
O silêncio que pesava sobre aquela solidão era apenas interrompido pelo esvoaçar dalguma ave noturna no âmbito do claustro, pelo estalido das lendas que se abriam nos muros, e pelo atrito das escaras soltas das velhas paredes.
Às vezes a lua vinha dar a esta cena triste e grave traços fantásticos, e um toque de sua doce e suave melancolia. Os raios da luz pálida e alvacenta, esbatendo-se nas pedras do átrio, enfiando pelas largas frestas, e debuxando nos claros