Página:Alice no País das Maravilhas (Trad. Lobato, 8ª edição).pdf/142

Wikisource, a biblioteca livre
O DEPOIMENTO DE ALICE
141

O Rei olhou-o de revés.

— Isto aqui tem um sentido oculto, disse. Pichocarra quer talvez dizer o seguinte: “Fui eu mesmo quem comeu os bolos da Rainha e quero ver quem descobre isso.” Notem os senhores jurados que as letras da palavra pichocarra acham-se tôdas repetidas na frase que eu acabo de apresentar.

Os jurados escreveram nas lousas as letras que o Rei grifara e viram que formava a palavra “bichocarra” e não “pichocarra.” Um dêles alegou isso em defesa do réu.

— Sim, concordou o Rei, mas o Valete é dos tais que trocam o B pelo P, vício de pronúncia que nêle notei há tempos. Assim sendo, a prova está provada e agora cumpre aos senhores jurados darem a sentença.

— Não! bradou a Rainha. Primeiro a execução, depois a sentença.

— Que asneira! exclamou Alice. Como é que a execução pode vir sem haver sentença?

— Faça o obséquio de calar essa bôca! disse a Rainha com ironia.

— Sou dona da minha bôca e da minha palavra! Calo ou falo quando me apraz, retrucou Alice colérica.

— Cortem-lhe a cabeça! berrou a Rainha no auge da cólera.

Ninguém se mexeu para executar a ordem.

— Vê? exclamou Alice com desdém. Ninguém liga a mínima importância às ordens de sua Majestade. A senhora não passa de uma simples Rainha de Baralho.

Mal disse aquilo, todo o baralho avançou para ela, numa fúria, fazendo Alice dar um grito de mêdo e abor-