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nada bastára para a matar — uma traição tão grosseira e vil, que n’esse instante duvidava até que a tivessem praticado...

Matára-a, bem certo que a matára, com o seu procedimento d’uma maldade e estupidez revoltante e com a covardia de não querer ver o mal quando talvez fosse ainda tempo de o remediar...

Tudo quanto na sua alma havia ainda de honesto estremecia de pavor e remorso; depois todos os seus sonhos de grandeza se evolavam n’uma debandada de desânimo: Tanto sacrificio pela Candida... se valia a pena! Olhou a, pareceu-lhe como nunca formosa, d’uma imponente formosura dramatica de Magdalena de Rubens, mas como nunca tambem a ideia de não a esposar se apresentou nitida no seu cerebro.

Foi ella quem primeiro readquiriu todo o seu sangue frio, abeirou-se da cama para tocar na mão que a prima conservava fóra do leito, na esperança talvez de a sentir enregelada pela morte, incapaz de se levantar para a apontar como traidora.

A moribunda, como se áquelle contacto fosse chamada á vida, abriu os olhos desmedidamente, que eram já como janellas rasgadas para o mysterio; conheceu os dois rostos lividos de medo que a fitavam, e sorriu, com um despreso tão fundo, tão vincado nas pregas d’essa ultima mascara de vida, que mais parecia petrificada.

Os dois recuaram espavoridos, apertando-se um contra o outro, procurando-se para se protegerem mutuamente d’esses olhos de moribunda que os fitavam, que os perseguiam como se quizessem levar para a terra a imagem dos assassinos,