Página:Amor de Perdição (1862).pdf/172

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ferida no rosto, chorando e rindo, demente em summa. Levou-a amarrada para sua casa, e deixou a cargo d’outra pessoa a sustentação do condemnado.

Terribilissimas foram então as horas solitarias do infeliz. Até áquelle dia, Marianna, bem quista do carcereiro e protegida pela amiga de D. Rita Preciosa, tinha franca entrada no carcere a toda a hora do dia, e raras horas deixava sósinho o prêso. Costurava, em quanto elle escrevia, ou cuidava do amanho e limpeza do quarto. Se Simão estava no leito doente ou prostrado, Marianna, que tivera alguns principios de escripta, sentava-se á banca, e escrevia cem vezes o nome Simão, que muitas vezes as lagrimas diliam. E isto assim, durante sete mezes, sem nunca proferir nem ouvir a palavra amor. Isto assim, depois das vigilias nocturnas, ora em preces, ora em trabalho, ora no caminho de sua casa, onde ia visitar o pae a deshoras.

Nunca mais o prêso, na perspectiva da forca, viu entrar aquella doce creatura o limiar da ferrada porta, que lhe graduava o ar medido e calculado para que as honras da asphyxia as gozasse o cordel do patibulo. Nunca mais!

E, quando elle avocava a imagem de Thereza, um capricho dos olhos quebrantados lhe affigurava a visão de Marianna ao par da outra. E lagrimosas via as duas. Saltava então do leito, fincava os dedos nos espêssos ferros da janella, e pensava em partir o craneo contra as grades.

Não o sostinha a esperança na terra nem no ceu.