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Emmassou depois as cartas, e cintou-as com fitas de sêda desenlaçadas de raminhos de flôres murchas, que Simão, dois annos antes, lhe atirára da sua janella ao quarto d’ella.

As petalas das flôres soltas quasi todas se desfizeram, e Thereza, contemplando-as, disse: «Como a minha vida...» e chorou, beijando os calices desfolhados das primeiras que recebêra.

Deu as cartas a Constança, e encarregou-a de uma ordem, a respeito d’ellas, que logo veremos cumprida.

Depois foi orar, e esteve ajoelhada meia hora, com meio corpo reclinado sobre uma cadeira. Erguendo-se, quasi tirada pela violencia, aceitou uma chicara de caldo, e murmurou com um sorriso: «Para a viagem...»

Ás nove horas da manhã pediu a Constança que a acompanhasse ao mirante e, sentando-se em ancias mortaes, nunca mais desfitou os olhos da nau, que já estava de verga alta, esperando a leva dos degredados.

Quando viu, a dois a dois, entrarem amarrados, no tombadilho, os condemnados, Thereza teve um breve accidente, em que a já froixa claridade dos olhos se lhe apagou, e as mãos convulsas pareciam querer aferrar a luz fugitiva.

Foi então que Simão Botelho a viu.

E ao mesmo tempo atracou á nau um bote, em que vinha a pobre de Vizeu chamando Simão. Foi elle ao portaló, e estendendo o braço á mendiga, recebeu o pacotinho