Como a carta do baralho, a carta escrita produz as mesmas emoções, o mesmo delírio; também ela tem seus lances de fortuna ou de azar no jogo da vida.
Se uma dama, ou um ás, ou um valete que se volta sobre o tapete verde, pode arruinar-vos ou enriquecer-vos, da mesma maneira neste lansquenet do mundo a que se chama a existência, uma carta que se escreve pode trazer-vos o sorriso da ventura ou a alegria do desespero.
A única diferença é que o baralho tem quarenta cartas, e que a vida tem mil alternativas. No mais a semelhança é perfeita, e todas as cartas deste mundo são uma e a mesma coisa.
Deveis ter ouvido falar numa espécie de compromisso político, num salvatério que os governos costumam dar às nações, e a que se chama carta.
Que é isto senão uma carta com a qual os governos e os povos jogam essa partida de écarté político, na qual ganha o parceiro que marca seis pontos, isto é, que nomeia seis ministros?
Por isso nós fizemos bem em trocar o nome pelo de constituição, que é mais expressivo, e que não admite nem sequer esses jogos de palavras.
Tudo isto eram reflexões que me acudiam ao espírito enquanto seguia o meu caminho, e procurava adivinhar pela forma e pela dobra o que continha a tal carta.
Bem sabeis que isto é uma arte preciosa; e que há sujeitinho capaz de adivinhar a mão que escreveu uma carta, e o fim com que a escreveu, somente pela maneira por que se acha dobrada e pelo papel do envelope.
Assim, uma cartinha fina, perfumada, macia, trai sempre a mulher; uma capa elegante mas dobrada às pressas, indica geralmente o homem de Estado, um ministro, um funcionário, enfim, sobre que pesa um trabalho invencível.
Ora, a minha carta não tinha parecença alguma com estas duas espécies descritas; estava fechada simplesmente como qualquer carta que sai do correio.
Por isso, como nada tinha que me interessasse, meti-a no bolso