— Euquéria! Abride, filha!
A velhinha correu tanto quanto o permitiam suas pernas curtas e trôpegas; decorrido um momento, o licenciado entrava em seu cartório acompanhado de Estácio.
Duas altas estantes de livros, um telônio cheio de autos e papéis, um bufete e alguns tamboretes rasos, eram os móveis que ornavam o gabinete, onde a luz filtrava amortecida pelos vidros das janelas, cobertas da mesma poeira clássica que jazia sobre os grandes alfarrábios, e das veneráveis teias de aranha suspensas ao teto.
— Vossa colação aí está sobre o bufete, senhor licenciado. Se não precisais de mim vou-me aos pintainhos, que estão morrendo do mal triste.
— Ide, filha; eu cá me aviarei.
— Jesus! exclamou a caseira voltando a correr com as mãos na cabeça.
— Hein!... já pela manhã vos começam a aparecer as almas do outro mundo? disse Vaz Caminha para a velha.
— Que Deus, Nosso Senhor, nos livre e guarde! Ai! só de falar já estou tremendo, minha Virgem Santíssima! Mas vai, senhor licenciado, que por um triz não me escorrega ainda hoje de vos dizer!...