Página:As Minas de Prata (Volume IV).djvu/46

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— Bem sei; mas não me parecem bem na música de igreja; para salas e terreiros, não digo que não!... E as vozes, achais que sejam bem afinadas umas por outras?

— Podiam ser mais, e o seriam, se fossem regidas por certo mestre de capela do meu conhecimento.

— Haveis de dizer-me o seu nome! acudiu o músico expandindo-se como um repolho.

Nesse instante entrou uma dama de preto, coberta de mantilha e véu espesso, que ao passar enviou ao advogado uma ligeira saudação da fronte. Seguindo com os olhos o passo airoso e a ondulação do talhe elegante, o advogado reconheceu através das rendas a sua formosa cliente da Rua de Santa Luzia. Era com efeito D. Dulce que vinha à festa impelida por uma irresistível tentação.

Desde o instante em que vira seu marido sob o hábito negro de Jesus, a infeliz senhora tinha, como confessara ao doutor, momentos terríveis em que sua alma queria revoltar-se contra a religião que lhe arrebatara o objeto de seu amor, a outra metade viva dessa metade morta. Às vezes até blasfemava no delírio de sua paixão desgraçada; e exprobrava ao Senhor ter-lhe tomado