totu.
O compasso era marcado pela espada na pele dos sicários. Mestre Brás, satisfeito com a pranchada que lhe administrara o longo braço do capitão de mato, disparou a corrida e evaporou-se; atrás dele seguiu a gente do Anselmo, que já conhecia o homem desde a noite de Ano-Bom.
— Corja de poltrões!... gritou João Fogaça vendo-os fugir.
Voltou-se então para Estácio que se embuçava cuidadosamente com receio de ser por ele reconhecido.
— Quereis vós brigar comigo, já que os poltrões nos deixaram a ambos com água na boca?
— Outra vez! Agora vou apressado! respondeu uma voz de entre as dobras do manto que lhe vendavam o rosto.
Bem desejos tinha Estácio de lançar-se aos braços do homem a quem devia em grande parte os sucessos de sua empresa e agora por cima o serviço de livrá-lo da matilha de salteadores; mas a prudência exigia que moderasse os ardentes impulsos de sua gratidão. Continuou pois seu caminho e desceu à praia.
Defronte uma canoa amarrada à boia embalava-se brandamente à arfagem da onda.
— Naturalmente Esteves dorme! pensou o estudante.
Tirou a roupa da qual fez uma trouxa que amarrou na nuca e deitou-se a nado para a canoa. O pescador estava de feito adormecido; saltou dentro o nadador tão sutilmente que não o despertou, e ali, sentado à proa, com os olhos derramados pela superfície do mar, afundou-se nas cogitações de seu espírito.
Onde ocultaria seu tesouro que o pusesse a abrigo da ambição dos jesuítas e da cobiça dos governadores?
— Se o oceano mo restituísse!...
Desatou a corda que prendia a canoa e deixou-a vogar mansamente à flor dos mares. Então seus olhos correndo a alva fita de areias que se desdobrava até o sítio do Bonfim, divisou o negro contorno de um bosque espesso, que demorava a alguma distância da praia, na direção do monte Calvário.
— A cruz da Expiação! balbuciou dentro d'alma.
Deixando a canoa boiar à discrição da maré que a impelia docemente para a ribeira, Estácio nadou para a praia. Aí chegando, buscou um lugar onde havia pedras, para tomar terra e ganhar o gramado, sem que ficasse impresso na areia o vestígio de seus passos. Encaminhou-se direito ao arvoredo sombrio e nele penetrou sem hesitação.
Uma vereda cortava esse bosque ao longo, e servia aos que transitavam do Forte do Rosário para a cidade. Um claro havia a meio dele, onde se erguia sobre um tosco pedestal de alvenaria uma cruz preta de pau-santo, à qual dava o popular o expressivo nome de Cruz da Expiação.
Rezava uma antiga tradição que poucos anos depois da fundação da cidade, ali aparecera certa manhã o corpo de um homem empalado na pele de uma mulher. Muitas versões correram então a respeito desse horrível acontecimento, que indicava uma vingança bárbara; mas não se soube nunca nem o nome do autor nem os das vítimas. Os corpos foram enterrados no mesmo lugar, onde tempos depois apareceu levantada aquela cruz sobre o pedestal de alvenaria.
Como todos os lugares que foram teatro de um acontecimento terrível e misterioso, era aquele cercado do pavor e respeito popular. Durante a noite os mais corajosos evitavam por aí passar, preferindo fazer uma grande volta