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MONTEIRO LOBATO

— "Se tenho de perecer, para que resguardar esta carne em proveito dos indios?"

Os indios levaram-no de novo á cabana da sua prisão, onde Hans se atirou ao solo, a chorar em aflição extrema.

Os indios murmuraram logo :

— "E' português legitimo : está agora a lamentar-se de medo da morte".

O francês demorou-se dois dias na taba; no terceiro partiu. Ipirú, então, resolveu que se fizessem os preparativos necessarios ao devoramento do prisioneiro.

Uma desgraça nunca vem só. Para cumulo de tanta miseria, Hans amanheceu com uma dor de dentes que quasi o pôs louco e que, como era natural, não o deixava comer coisa nenhuma.

Ipirú-guassú veio indagar por que motivo não comia; ao saber da causa saiu, voltando logo depois com um instrumento de pau para lhe extrair os dentes.

— Que instrumento seria esse? indagou Pedrinho, que mostrava certa vocação para a arte dentaria.

— Não sei, respondeu dona Benta. Mas devia ser um instrumento de meter medo, porque o pobre Hans, logo que o viu, declarou sem demora que a dor já havia passado.

Mesmo assim o indio insistiu em arrancar-lhe os dentes, muito custando a Hans fazê-lo desistir da ideia. Ipirú-guassú, então, ameaçou-o de matá-lo antes do tempo, caso persistisse em não comer.

— Por que, vóvó? indagou a menina.

— Porque, não comendo, emagreceria e os indios queriam comê-lo gordo...