Página:Capitulos de historia colonial (1934).djvu/248

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e por água; alguns aprendiam ofícios; outros, pagando jornais convencionados com os donos, procuravam ocupações a seu gosto. Conversavam às vezes em língua africana, constituíam grêmios secretos e praticavam feitiçarias. Sua alegria nativa, seu otimismo persistente, sua sensualidade animal sofriam bem o cativeiro.

Nunca ameaçaram a ordem de modo sério, e os carregadores davam certa animação às ruas. “São mandados com cestos vazios e longas varas a procurar emprego em benefícios de seus senhores, escreve John Luccok. Mercadorias pesadas transportam-se ao ombro entre dois parceiros por meio destas varas, às quais se passam umas alças, que levantam o fardo um pouco acima do solo. Se a carga for muito grande para um parelha, forma-se um bando de quatro, de seis e até mais, de que um, em geral o mais inteligente, é escolhido para dirigir o trabalho. Este para promover a regularidade dos esforços, e especialmente uniformizar o passo, entoa sempre um canto africano, de música breve e simples; no fim respondem todos em coro estridente. O coro continua enquanto dura o trabalho, e parece aliviar o peso e alegrar o coração”.

Os mulatos, gente indócil, e rixenta, podiam ser contidos a intervalos por atos de prepotência, mas reassumiam logo a rebeldia originária. Suas festas, menos cordiais que as dos negros, não raro terminavam em desaguisados; dentre eles saíam os assassinos e os capangas profissionais. Crescendo em número, desconheceram, e afinal extinguiram as distinções de raça e foram bastantes fortes para romper com as formas do convencionalismo vigente e viver como lhes pedia a índole irrequieta. Para o nivelamento concorreu sobretudo a parte feminina, com seus dengues e requebros lascivos. Spix e Martius ouviram cantar na Bahia:

Uma mulata bonita
Não carece de rezar,
Abasta o mimo que tem
Para sua alma se salvar.

O convencionalismo oprimia a gente branca: funcionários pretensiosos vindos da metrópole e abrangendo