Ao começar o século XVI, Portugal labutava na transição da idade média para a era moderna. Coexistiam em seu seio duas sociedades completas, com sua hierarquia, sua legislação e seus tribunais; mas a sociedade civil não professava mais a superioridade transcendente nem se sujeitava à dependência absoluta da Igreja, despida agora de muitas de suas históricas prerrogativas, obrigada a reduzir muitas de suas pretensões.
O Estado reconhecia e acatava as leis da Igreja, executava as sentenças de seus tribunais, declarava-se incompetente em quaisquer litígios debatidos entre clérigos, só punia um eclesiástico se, depois de degradado, era-lhe entregue por seus superiores ordinários, respeitava o direito de asilo nos templos e mosteiros para os criminosos cujas penas eram de sangue, abstinha-se de cobrar impostos do clero.
A Igreja dominava soberana pelo batismo, tão necessário à vida civil como à salvação da alma; pelo casamento, que podia permitir, sustar ou anular com impedimentos dirimentes; pelos sacramentos, distribuídos através da existência inteira; pela excomunhão, que incapacitava para todos eles; pelo interdito, que separava comunidades inteiras da comunicação dos santos; pela morte, permitindo ou negando sufrágios, deixando que o cadáver descansasse em lugar sagrado junto aos irmãos ou apodrecesse nos monturos em companhia dos bichos; dominava pelo ensino, limitando e definindo as