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CARTAS DE INGLATERRA
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Abdul-Hamid não é um califa do antigo typo, embrutecido pelo uso de tres mil mulheres, — mas, segundo a expressão do principe de Bismarck, «um dos espiritos mais finos da Europa». Ora, o principe de Bismarck é um entendedor; ainda que, a meu vêr, duas cousas estragam esta famosa finura: primeira o ser excessiva, de modo que Abdul-Hamid, a maior parte das vezes, tropeça e fica enredado na engenhosa complicação dos seus proprios fios; depois o estar ao serviço, não de idéas praticas, mas de fantasias mysticas, como a que se lhe attribue de renovar, na ordem espiritual e em seu proveito, o imperio prophetico de Mahomet.

Emfim, instado pela Europa a intervir no Egypto, e não querendo que a Europa interviesse, porque isso seria a perda do seu pingue tributo annual, o Sultão decidiu-se a enviar Dervich-Pachá, uma velha raposa podre de manhas, com a missão de fazer reentrar Arabi no aprisco dos humildes. Mas apenas Dervich-Pachá começava esta operação, eis que o Sultão inquieto, vendo Arabi e o scherif de Meca de mãos dadas sobre o tumulo do Propheta, remette a Arabi a grande ordem do Medjidieh, a mais nobre condecoração turca, o favor supremo que póde cahir das mãos do califa, acompanhada de uma florida carta de amizade e d’uma esplendida placa de diamantes.

Isto tudo dá a medida da confusão do Grão-Turco.